4° Parte

21/03/2021

As semanas se passaram, a cela 3 permanece com 2 detentos e a administração desse lado de cá se mantinha carrasca, o que estava ruim ficou pior e os flashes de memória que Zé havia tido tornaram-se constantes. Suas noites de sono eram perturbadas por sonhos e seus dias perturbados pelos flashes, ele é estava beirando a insanidade quando de repente foi avisado que teve sua fiança paga. Havia começado um programa do governo para docilização, um estudo comportamental, em que contratavam assistentes sociais para auxiliar os detentos. Nessa a assistente Analu foi convidada a assistir Zé, e isso servia apenas para os detentos mais antigos, os de antes da política da pena mínima dos 10 anos - Isso significa que, a missão de Fayola acaba de começar.

Chegando ao presídio, Analu ficou aguardando a liberação de José Torres e assim que ele saiu, desorientado e ainda perdido neste novo Brasil cheio de perguntas sobre essa misteriosa alforria, perguntou a Analu: "Você poderia me explicar porque dentre tantos chegou a minha vez de sair?" Analu retrucou: "Então quer dizer que seria mais vantajoso você continuar lá dentro, é isto ?" 

  • Espero nunca mais voltar para aquele inferno de Dante. Me desculpe a petulância, eu sou Zé e quem é você? 
  • Bem melhor! Sou Analu, sua assistente social, vim cumprir as ordens federais e explanar todas as novas medidas impostas pelo presidente Benício da Silva.

Assim que ele ouviu esse nome, logo teve um flash de memória de uma risada profunda e perversa. Zé passou 26 anos na cadeia, não sabia o que havia acontecido no país nesse tempo e não ficou surpreso por saber do mandato de Benício, mas isso o deixou apenas intrigado. Ele e Analu foram até a ONG e conversaram sobre suas experiências, ele contou sobre seu tempo na cadeia e como se sentia e Analu contou sobre as coisas que haviam acontecido nesses anos de mandato do presidente.

No método de trabalho de Fayola, não existia a possibilidade de levar o ex detento para a agência e já revelar que sua memória foi roubada, iria totalmente contra as filosofias que ela acreditava e que a agência seguia. Segundo Abdias do Nascimento, o conceito representado pela sankofa traduz-se por "retornar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro". E seria um desrespeito, acelerar todo o processo de Zé, ele vai nascer de novo, basta ter paciência.

Após Zé ter conhecido a ONG, eles dois saíram para comer. Isso foi completamente um símbolo de paz para Zé e Analu foi esperta ao levá-lo para o coração de muita história do passado, o Centro da Cidade. Ele não era o mesmo, tudo era cinza, tinha um ar de movimento, lá havia SKY-trains, jetpacks e plataformas de teletransporte que ligavam toda a cidade - e para usá-lo você precisava obter pontos a cada boa ação feita em prol da cidade, tudo havia pontuação mínima. Sendo assim, Zé recém liberto só poderia transitar pelos teletransportadores com Analu, caso contrário, só lhe restava as velo-citys ou os mais arcaicos "metrôs".

Na Cidade, todos os patrimônios culturais e históricos haviam sido apreendidos na câmara dogoverno, no Palácio Central, e no lugar construíram o "futuro". A classe dos esquecidos lutou bastante para que o governo não apagasse a história que foi conservada durante anos, mas os homens do poder acreditavam que o que era do passado já não valia de mais nada, apenas atrapalhava a modernização da cidade. E bom, eis que a NECESSÁRIA Analu tinha um mapa de como era o Rio de Janeiro do século passado e assim, foi caminhando com Zé e lhe contando como já foi toda a história desse lugar. Ele sentiu algo muito diferente, se sentiu profundamente conectado e principalmente ao passar pelo antigo Cais do Valongo. Atualmente o Cais era uma estação para jetpacks e até chegar à antiga rua do ouvidor (onde eles iriam comer), que hoje tinha uma enorme empresa de telefonia, Analu caminhava contando toda a história que estava por trás de cada lugar, de acordo com o mapa seguiram:

A partir do antigo Morro da Providência, Gamboa, Cais do Valongo, Lapa, Avenida Rio Branco, Rua do Ouvidor e desataram na Rua da Alfândega. 

 - "Zé, os escravizados chegaram por aqui, cerca de 4 milhões de pessoas chegando ao que já imaginavam ser uma das camadas do inferno de Dante." 

- "Zé, antes disso tudo, aqui foi palco de muito movimento popular e principalmente da galera mais pobre" 
- "Zé, a capoeira já foi crime. Era uma das coisas que "fugia dos bons costumes, da ordem e do progresso" 
- "Ah, ainda tem as antigas favelas!"
E Zé indaga: E ainda tem mais?

- José, você precisa entender que gente como eu ou você colhe hoje frutos do que fizeram com nossos antepassados. Nada é por acaso, repara só de onde você saiu e quantos lá dentro tinham como você e quantos aqui fora tem como você. Nada é por acaso, e eu estou aqui para ajudar você a olhar para trás e enxergar que você tem sim um futuro maravilhoso pela frente. Sendo bem sincera, não cai nesse papo de que o lugar do passado é no passado, por que fizeram de tudo para apagar a nossa história, por começar por nossos nomes, então esteja sempre atento a estes que dizem isso, porque isso não serve para nós.

Depois dessa fala de Analu, Zé persistiu em silêncio até o último ponto do passeio. 

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