Paula Gabriela de Souza Pinto

23/09/2019

Entrevista por Hosana Elliot

Paula Gabriela de Souza Pinto - Psicóloga e Mestre em Estudos Étnicos e Africanos da Universidade Federal da Bahia, Integrante da Articulação Nacional de Psicólogas(os) e Pesquisadoras(es) Negras(os).

1. Por que vc acha importante abordar a saúde mental do negro nos dias de hoje?

Falar sobre a saúde mental de negras e negros é importante porque o racismo é um determinante social na vida dessas pessoas, não só na saúde, como educação, trabalho e todos os aspectos da vida. A forma como pessoas negras adoecem e morrem no contexto do nosso país revelam como essa população vive em contexto de vulnerabilidade e de iniquidades na saúde. Por exemplo, nós sabemos que o suicídio envolve vários fatores, mas alguns determinantes podem aumentar a vulnerabilidade de alguns grupos, e jovens negros tem sido um dos grupos mais vulneráveis nesse sentido, justamente pelo preconceito e pelo racismo. É importante perceber como o racismo é um fenômeno que atravessa toda a vida do sujeito e tem impactos profundos, sobretudo na autoestima e na construção identitária.

2) Vc acha que ainda é difícil o acesso a terapias e ao cuidado da saúde mental para os negros, de acordo com falta de ajuda do governo, preconceito da sociedade e os próprios negros não aceitarem que possam ter algum tipo de transtorno mental?

A saúde mental de forma geral é negligenciada, ainda existem muitos estigmas sobre transtornos mentais e sobre a atuação da psicóloga. Nós estamos vivento um contexto de muito adoecimento psíquico, cada vez mais cresce o número de pessoas com depressão e ansiedade, então aos poucos tenho percebido o reconhecimento das pessoas no tratamento psicológico. É claro, precisamos ampliar o acesso ao tratamento de saúde mental, isso é fundamental, pois hoje os serviços estão sobrecarregados, falta investimento do governo na saúde mental da população, não só na população negra, mas falta investimento em dispositivos importantes como os CAPS que trabalham na perspectiva da luta antimanicomial.

3) Como podemos e onde podemos buscar ajuda de primeiro acesso ( quando se está em uma crise muito forte) com preço acessível?

Em situações de crises, nós temos em Brasília e no DF, os CAPS, o Hospital São Vicente de Paula que trabalha com contenção de crise e os Plantões Psicológicos que acontecem nos Serviços de Psicologia das Faculdades e Universidades da região, que são atendimentos realizados em caráter de urgência. Todos esses serviços são gratuitos. Existem também muitos institutos que oferecem atendimento a preço social, como o Instituto de Gestalt-Terapia de Brasília - IGTB e a Sociedade de Psicanálise de Brasília. Pessoas interessadas também podem ligar ou acessar o site do Conselho Regional de Psicologia do DF e buscar contatos de instituições que oferecem atendimentos com preços mais acessíveis.

4) Podemos dizer que os negros não conseguem falar ou trabalhar suas questões por não se sentir representados numa sessão que não há psicólogo negro?

Podemos dizer que há uma lacuna na formação em Psicologia que não prepara os profissionais para lidarem com essas questões. O racismo promove sofrimento psíquico e impacta na subjetividade das pessoas e muitas vezes existe uma resistência dos psicólogos de reconhecerem a própria existência do racismo em nossa sociedade. É uma discussão complexa e que precisa ser discutida cada vez para que possamos descontruir o racismo e promover a igualdade.

5) A mulher negra cis e trans é pre disposta a ter mais transtornos mentais que os homens negros cis e trans?

Não. Existem muitas questões sociais e culturais para pensar essa questão. As mulheres se cuidam mais do que os homens, isso é um fato na nossa sociedade, pois as mulheres são atribuídas ao cuidado, principalmente ao cuidado dos outros, da casa, dos filhos. Os homens, por outro lado, crescem ouvindo que eles não podem chorar, não podem expressar seus sentimentos, então isso também tem impactos no reconhecimento do próprio sofrimento. Acho que o que podemos fazer é pensar intersecções, pois existem algumas modalidades de subordinações que atuam de formas conjuntas, como raça, gênero e classe, ou seja, uma mulher negra não vai lidar só com as desigualdades de gênero, mas ela também vai enfrentar a desigualdade racial. Contudo, precisamos pensar essas intersecções sem negar uma ou outra, ou subordinar uma a outra.

Paula Gabriela de Souza Pinto - Psicóloga e Mestre em Estudos Étnicos e Africanos da Universidade Federal da Bahia, Integrante da Articulação Nacional de Psicólogas(os) e Pesquisadoras(es) Negras(os).

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