Ingride Cruz

23/09/2019

Entrevista por Hosana Elliot

Ingride Cruz - Brasília-DF Psicóloga, Mulher, negra, Lésbica, desenvolvendo um projeto para atender minorias, principalmente mulheres negras e população periférica por valor social

1) Por que vc acha importante abordar a saúde mental do negro nos dias de hoje?

Pra falar sobre a relevância de abordar, especificamente, a saúde mental do negro, é necessário falar da história do negro no Brasil e de como as políticas nacionais de saúde foram construídas de forma que agravam as condições sanitárias dos afro-brasileiros.

Mês passado (agosto), assisti uma parte do vídeo da roda de conversa da revista tpm, onde a influencer Christiane Silva Pinto, trouxe uma informação que ainda hoje me choca. Segundo a influencer, estatísticas mostram que mulheres negras recebem menos anestesia na hora do parto que mulheres brancas, baseado na crença popular de que pessoas negras são mais tolerantes a dor. Esse é só mais um exemplo que converge no sentido de evidenciar os mecanismos através dos quais a discriminação racial afeta as condições de vida da população negra.

Há diversos estudos internacionais que demonstram que há um padrão consistente de desvantagem para negros, tanto em mobilidade social, quanto em disparidade de renda é maior evasão escolar. Evidências indicam que a discriminação racial é um dos fatores estruturantes das desvantagens econômicas e sociais enfrentadas por minorias étnico-raciais no Brasil. Estudos sugerem, também, que condições sócio econômicas desfavoráveis potencializam o efeito da discriminação racial no risco de hipertensão (que ocorreria por meio de estresse crônico) e depressão.

Após essas informações me sinto confortável para retornar a pergunta inicial, e afirmar que há uma necessidade de que a temática de promoção à saúde mental da população negra, tenha lugar destacado nas investigações científicas, a fim de suprir a carência acadêmica e dar o ponta pé inicial quanto ao preenchimento das lacunas, ainda abertas, no conhecimento das condições de saúde e políticas públicas direcionadas a minorar essas desigualdades.

2) Vc acha que ainda é difícil o acesso a terapias e ao cuidado da saúde mental para os negros, de acordo com falta de ajuda do governo, preconceito da sociedade e os próprios negros não aceitarem que possam ter algum tipo de transtorno mental?

Ao pensar na dificuldade de acesso à clínica e na pouca prioridade dada ao cuidado da saúde mental do negro, logo, concluo que a discriminação racial estaria subjacente às desigualdades que criam barreira socioeconômica e cultural nas condições de vida e saúde do negro.

Há uma visão distorcida da população negra que os colocam como iguais para o sistema nacional de saúde, numa sociedade que está organizada de forma racialmente desigual, e muitas vezes, essa é justamente a principal origem de suas demandas. Precisamos desmistificar essa ideia, tanto para a população negra como para o governo, e trabalhar em prol da equidade, em propostas que beneficie a inserção e facilidade de acesso ao serviço de saúde mental e, consequentemente, a afluência da população negra a serviços de qualidade.

3) Como podemos e onde podemos buscar ajuda de primeiro acesso (quando se está em uma crise muito forte) com preço acessível ?

Existe o CAPS, é um serviço oferecido pelo governo federal, totalmente gratuito, com atendimento clínico e psiquiátrico. Há também, clínicas-escolas que oferecem atendimento de plantão psicológico, acolhimento e intervenção em casos de emergência, sob supervisão de profissionais mais experientes. Aqui em Brasília, foi organizado uma lista de todos esses lugares, e não raramente, vejo as pessoas divulgando através das redes sociais.

Através de uma breve pesquisa, encontra-se profissionais da saúde mental que tem algum projeto de atendimento a baixo custo voltado para a promoção da saúde mental da população negra. É o caso da Associação Meraki Psicologia (@meraki.psicologia) em Brasília/DF que oferece atendimento à valor social para a população negra e LGBTQIA+ e do Psicoterapia Grupo de mulheres em São Paulo (@psicoterapiagrupodemulheres) que promove apoio psicológico em grupo e individual para mulheres, e tem um grupo terapêutico para mulheres negras.

4) Podemos dizer que os negros não conseguem falar ou trabalhar suas questões por não se sentir representados numa sessão que não há psicólogo negro?

Não. A psicologia é uma profissão que tem o intuito de formar profissionais capazes de atender qualquer demanda sem necessariamente ter tido uma experiência empírica. Portanto, qualquer profissional da psicologia está apto a atender e identificar suas questões de etnia e as implicações psicossociais dessa pessoa.

Mas, não podemos esquecer da relevância que a representatividade assume nesse caso específico. Esse ainda é um tema inexplorado no Brasil, ainda não há evidências científicas que podem elucidar o impacto do psicólogo negro no atendimento a população negra de forma expressiva. Espero, entretanto, poder contribuir para análises futuras das co-variáveis desse processo, e tornar possível o contraste a respeito de outras dimensões sociais.

5) A mulher negra cis e trans é pre disposta a ter mais transtornos mentais que os homens negros cis e trans?

Não há fontes confiáveis que embasem uma afirmação ou uma negação a respeito dessa questão. Justamente pelo que já citei em uma pergunta anterior, não há produções acadêmicas específicas sobre a temática.

Acredite se quiser, segundo o artigo "Aspectos epidemiológicos das desigualdades raciais em saúde no Brasil" de Chor e Lima, um dos obstáculos ao estudo e produção científica sobre as condições de saúde da população negra é a ausência de uma definição de raça e os problemas relacionados à classificação.

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